RACE BANNON: A Vastidão da Cena Fetichista

RACE BANNON: A Vastidão da Cena Fetichista

de Notícias Recon

21 de agosto de 2020

Race Bannon, também conhecido como o usuário PigMaster4PigSlave, é organizador, escritor, educador, palestrante e ativista nos domínios LGBT, leather/fetichista, poliamorismo, e prevenção e tratamento do HIV/ISTs desde 1973. Neste artigo, ele nos conta sobre a vastidão da cena fetichista.

Há pouco tempo, tive algumas conversas com caras nas quais eles falaram de seus lados fetichistas. Não simplesmente um pouco fetichistas. Em alguns casos, extremamente fetichistas.

O mais fascinante disso é que nenhum desses caras participa das comunidades organizadas do couro ou outros fetiches. Todos eles eram, para usar uma expressão de um homem leather americano da velha guarda, GDIs (goddamned independents, ou malditos independentes, em tradução para o português).

Os GDIs circulam tranquilamente pelo mundo dos fetiches e das taras se divertindo, praticando, transando, socializando e criando laços com outros fetichistas sem a necessidade de se alinharem a um clube, organização, rede ou identidades eróticas específicas.

E o mais interessante, todos esses caras sabem as noções básicas de coisas como negociação, segurança e consenso nas quais os praticantes fetichistas experientes se baseiam. Nenhum deles aprendeu isso em um curso ou algo do tipo. Eles simplesmente sabem.

Isso acontece bastante. Os caras que sabem do meu envolvimento com os fetiches acabam me contando suas várias aventuras eróticas. A maioria deles se dá por satisfeita por ficar a margem dos setores mais organizados das comunidades fetichistas.

Um grande exemplo parece ser os caras que participam de grandes eventos fetichistas como International Mr. Leather, Easter Berlin, Mid-Atlantic Leather, Folsom Street Fair, Folsom Europe, Fetish Week London, e daí por diante. Eles se divertem nessas atmosferas e vão aos bares, baladas, festas de sexo ou encontros sociais associados, mas, fora disso, têm pouco envolvimento com os setores organizados da nossa cena.

Quando eu estava, há pouco tempo, discutindo este assunto nas redes sociais, um amigo meu, o renomado psicólogo clínico Dr. Russell J Stambaugh, comentou que a percepção de que a maioria das pessoas fetichistas não faz parte de grupo organizado algum, e que, de fato, não possuem contato algum com quaisquer desses grupos, é respaldada pelos dados que temos até o momento.

Stambaugh citou um estudo de 2017 feito por D. Herbenick, que sugere que menos de 10% da população que admite ter comportamentos fetichistas teve qualquer contato com as comunidades fetichistas organizadas.

Isso é importante. Stambaugh afirma, através das lentes deste e de outros dados e de seus próprios estudos, que as comunidades fetichistas funcionam melhor para aqueles com alta tolerância ou preferência por voyeurismo e exibicionismo, que podem tolerar os riscos de serem socialmente expostos, que são tolerantes às estruturas de relacionamento não-tradicionais, que preferem muita variedade, que são altamente sociais e gostam de participar de grupos, e que vivem em áreas que são convenientes para eventos e clubes organizados.

Pense sobre isso. Considerando as circunstâncias ideais para a maioria das pessoas se participarem das comunidades organizadas de fetiche, não é de se admirar que muitos rapazes sintam que isso não é para eles. Eles ou se atrapalham em suas vidas sexuais se sentindo insatisfeitos, ou como eu sempre vejo, eles descobrem como fazer e viver essa coisa que chamamos fetiche de uma forma confortável e satisfatória sozinhos do que através de uma rede de praticantes e amigos que eles possam vir a cultivar.

Quando eu escrevo, organizo ou, de algum forma, trabalho com essas comunidades, eu penso que isso é uma coisa muito importante a ser lembrada. É algo que todos nós que somos ativos em uma cena organizada devemos nos lembrar. A grande parte do nosso público opera em um status invisível. Eles não têm o menor desejo de se tornarem parte do circuito de clubes, organizações, conferências ou concursos. Eles simplesmente querem ser fetichistas, sexuais e se divertirem. E ponto final.

É por isso que redes on-line como o Recon são importantes. Elas fazem algumas coisas vitais, especialmente para os 90%.

Elas fornecem mecanismos de divulgação e comunicação para os caras que podem não ter acesso a recursos e mentores que possam ajudá-los a conhecer outras pessoas e aperfeiçoar suas habilidades e perspectivas.

Elas fornecem aprendizado, por vezes abertamente através de artigos e vídeos, mas, mais importante, de forma orgânica, através da aprendizagem e ajuda entre pares. É assim que a aprendizagem dos fetiches acontecia antes da era das aulas, livros e materiais didáticos. Embora eu seja grato por estas coisas, ainda acho que o melhor aprendizado ocorre em um ambiente de práticas no mundo real.

Elas podem aumentar, muito mais do que diminuir, a segurança com a qual os rapazes perseguem seus desejos, particularmente o BDSM ou qualquer brincadeira envolvendo escravidão, supondo que os usuários usem a plataforma apropriadamente. Uma pessoa pode facilmente informar a um amigo o perfil de uma cara, junto com o local em que ele estará, criando-se assim uma rede de segurança ao se conhecer um novo parceiro de práticas.

Se você é uma pessoa como eu, que circula dentro de uma cena fetichista sexual e social robusta, espero que você se lembre que a sua experiência não é a mesma dos outros que não participam desses círculos. Suas perspectivas do que é correto ou é melhor prática podem não se alinhar com as dos outros que trilharam seus próprios caminhos fora das estruturas estabelecidas. Nós nunca devemos supor que podemos falar ou atuar por todas as pessoas fetichistas, porque as pessoas fetichistas com as quais estamos tipicamente engajados são aquele grupo de 10%, e não a maioria.

Se você for alguém que não participa, alguém que não tem desejo de fazer parte de qualquer setor da cena organizada, espero que você não se considere menos fetichista. Sua abordagem é tão válida contanto que você tenha reservado algum tempo para absorver as diretrizes básicas de segurança física e emocional para suas práticas e que todas as suas práticas sejam consensuais, do início ao fim.

Mas para aqueles que preferem ficar de fora, faço um apelo para que explorem um pouco mais de informações sobre quaisquer atividades que possam representar perigos físicos ou emocionais. Eu não acho que você tenha que se jogar em inúmeras aulas ou ler uma estante repleta de livros, mas alguns bons conhecimentos básicos e qualificações sempre serão úteis.

E para a turma dos 10% da qual faço parte, vamos continuar a nos divertir, seja praticando, transando, aprendendo, socializando ou fazendo novos amigos. Mas, ao mesmo tempo, se alguém dos 90% se aproximar de você, estejamos lá não para julgá-los, mas para recebê-los bem, ou simplesmente compartilhar conhecimentos e novas ideias para fazer a jornada dos GDIs mais prazerosa e segura.

Race Bannon é um organizador, escritor, educador, palestrante e ativista nos domínios LGBT, leather/fetichista, poliamorismo e prevenção e tratamento do HIV/ISTs desde 1973. Ele escreveu dois livros, publicou extensivamente, falou para centenas de audiências, criou o maior serviço de psicoterapia encaminhamento médico do mundo, foi um líder do The DSM Project, que levou a uma mudança benéfica na forma como a psicoterapia americana vê o BDSM, fundou uma inovadora empresa de publicação de sexualidade alternativa, apresentou um talk show de rádio na Internet, recebeu prêmios nacionais e locais e participou de inúmeros documentários. Atualmente, ele também escreve para o Bay Area Reporter e para seu blog.

Compartilhe